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Descrevemos aqui 12 pontos importantes a serem lembrados nesta revisão sobre a anatomia, função e disfunção do ventrículo direito (VD):
1. O VD é uma estrutura em forma de meia-lua, de paredes finas, com seções anatômicas distintas: 1) Via de entrada constituída pela valva tricúspide, cordas tendíneas e músculos papilares. 2) ápice trabeculado. 3) via de saída, que suporta os folhetos da valva pulmonar.
2. O VD é morfologicamente e funcionalmente distinto do ventrículo esquerdo (VE). O VD possui trabeculações grosseiras, valva atrioventricular com 3 cúspides com deslocamento apical e presença de múltiplos músculos papilares. Entretanto, o VD e o VE estão intimamente inter-relacionados em função através do septo interventricular, um espaço pericárdico comum e miócitos circunferenciais epicárdicos, levando à interdependência sistólica e diastólica.
3. Estruturalmente, os cardiomiócitos do VD são 15% menores que os miócitos do VE e, portanto, o VD, tem mais colágeno. Entretanto, a expressão gênica e composição protéica são semelhantes. No entanto, o metabolismo difere, tornando o VD mais resistente à isquemia. Fatores contribuintes incluem metabolismo mais oxidativo do que a glicólise anaeróbica e maior extração de oxigênio em comparação com o VE. Além disso, o fluxo coronário para o VD ocorre tanto na sístole como na diástole.
4. As Contrações normais do VD é como se fosse um movimento peristáltico com a via de entrada desempenhando um papel ativo e o ápice desempenhando um papel passivo, assim a resultante age como se fosse um amortecedor. O septo interventricular tem grande importância para o VD participando com 20 a 40% do volume sistólico desta cavidade. A medida da função do VD é complexa, a contratilidade pode ser medida com elastância, definida como uma mudança de pressão para uma determinada mudança no volume. A medida mais precisa da contratilidade do VD é a elastância sistólica final da cavidade, calculada a partir de alças volumétricas de pressão invasiva como a pressão sistólica final do VD (ou pressão arterial pulmonar média) dividida pelo volume sistólico final.
5. A causa mais comum de sobrecarga de pressão do VD é a hipertensão pulmonar, que causa hipertrofia e dilatação da cavidade. A sobrecarga de pressão está associada à hipertrofia e desordem dos miócitos circunferenciais na banda septoparietal podendo causar estenose pulmonar muscular subvalvar. Quanto ao remodelamento adaptativo com transições de hipertrofia concêntrica em remodelamento desadaptativo com hipertrofia excêntrica e dissincronia, as pressões de enchimento aumentam, levando à descompensação clínica. No entanto, as alterações fibróticas no VD são menores que no VE, portanto, a maioria dos pacientes com hipertensão pulmonar recupera a função após o transplante pulmonar.
6. A sobrecarga de volume do VD está associada à dilatação e hipertrofia desta câmara com desvio diastólico do septo interventricular para a esquerda afetando a função do VE devido a mudanças geométricas. Em decorrência da sua morfologia, o VD tolera melhor a sobrecarga de volume e a sua contratilidade permanece preservada por muito tempo. A sobrecarga crônica de volume leva à disfunção sistólica da cavidade com dilatação signifcativa e aumenta a morbimortalidade na presença de sobrecarga de pressão.Assim, intervenções corretivas devem ser realizadas antes da dilatação significativa da cavidade.
7. Os padrões de contratilidade nas diferentes regiões do VD diferem de acordo com a doença de base. Nos pacientes com comunicação interatrial, a contratilidade proximal é preservada, mas a tensão apical é supranormal. Na insuficiência pulmonar, a região apical é mais afetada, com maior contratilidade nos segmentos proximais.
8. Até 50% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio apresentam envolvimento do VD segundo dados de necropsia. A lesão do VD é mais comum em infartos inferiores, mas também nos infartos anteriores. Após o evento isquêmico agudo, a função do VD tende a se recuperar com uma baixa prevalência de fibrose. A disfunção do VD pós-infarto é multifatorial e está relacionada à interação do VE com o VD, aumento da pós-carga, isquemia e regurgitação mitral.
9. Na cardiomiopatia arritmogênica estudos mais recentes mostram envolvimento preferencial dos segmentos basais inferiores e anteriores do VD e no início da doença envolvimento dos segmentos inferolateral e basal do ventrículo esquerdo (VE). Além disso, anormalidades microestruturais precedem a fase elétrica da doença, desafiando a noção convencional de doença elétrica que precede a doença estrutural.
10. Em outras cardiomiopatias não isquêmicas, a disfunção do VD está presente em 35 a 40% dos pacientes e achados de fibrose geralmente estão ausentes. Na cardiomiopatia hipertrófica, o desarranjo miocárdico e a hipertrofia do VD são observados em até 30% dos pacientes.
11. Na amiloidose cardíaca, o aumento da espessura da parede do VD é comum. A disfunção do VD está relacionada à deposição amilóide na cavidade e envolvimento do VE. No entanto, ao contrário do VE, não há áreas preferenciais de deposição de amilóide na cavidade do VD.
12. Na miocardite aguda, aproximadamente 20% dos pacientes têm envolvimento da parede livre do VD e o acometimento desta cavidade sinaliza piores desfechos. Da mesma forma, nos pacientes com comprovada sarcoidose extracardíaca, 15-20% mostram envolvimento da parede livre do VD ou do septo interventricular. O envolvimento do VD na sarcoidose está associado a um maior risco de mortalidade por taquiarritmias ventriculares.