Dr. Érison Costa Machado

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The New England Journal of Medicine 2017;377: 1964-75

David H. Ellison, M.D. and G. Michael Felker, M.D.; Diuretic Treatment in Heart Failure

Embora os tratamentos farmacológicos mais aceitos para insuficiência cardíaca sejam baseados em evidências de grandes estudos clínicos, em relação ao uso dos diuréticos estas evidências ainda são escassas.

Característicasfarmacológicas dos diuréticos de alça

Furosemida, bumetanida e torsemida são os protótipos desse tipo de diurético. Eles se ligam aos co-transportadores de sódio, potássio e cloro na porção ascendente da alça de Henle bloqueando sua ação e inibindo a reabsorção desses íons.

Atuam também inibindo os mesmostransportadores situados na mácula densa, estimulando a secreção de renina e inibindo o feedback túbulo glomerular, que normalmente reduz a filtração glomerular quando o nível de sódio de eleva. Esse efeito pode ser benéfico por um lado (mantém a taxa de filtração glomerular) emaléfico por outro (aumenta a atividade da renina plasmática).

Eles também têm atuação em transportadores semelhantes em todo o organismo, inclusive no ouvido (o que explicaria a ototoxicidade dos diuréticos de alça). Pela sua atuação em transportadores presentes no músculo liso vascular, causam veno dilatação, quando administrados por via venosa.

Características farmacocinéticas dos diuréticos de alça.

Os diuréticos de alça possuem uma curva dose X resposta que alcança seu platô com as doses normalmente utilizadas. Isso sugere que um aumento da dose acima desses níveisnão traria maior efeito. Embora isso seja verdade, o aumento adicional da dose pode prolongar o tempo em que a concentração plasmática da droga permanece elevada, exercendo um efeito natriurético maior, de forma que a dose máxima, na prática, não exista.

Quando administrada por via oral, a Furosemida tem biodisponibilidade variável (média de 50%, podendo variar de 10-90%). A ingestão concomitante com alimentos e o edema de parede intestinal reduzem a velocidade de absorção, reduzindo o pico de concentração plasmática.  Desta forma, em pacientes com função renal preservada, a administração por via venosa tem uma potência aproximadamente 2 vezes maior do que a mesma dose por via oral. Naqueles com insuficiência cardíaca descompensada esta diferença pode ser ainda maior.

Os diuréticos de alça provocam um aumento na excreção de cloreto de sódio seguido por um período de baixa excreção, chamado de retenção de sódio pós diurético. Este efeito é importante, pois o objetivo do tratamento com diuréticos de alça é promover um balanço de água e sódio negativo a curto prazo e reduzir o volume extracelular a longo prazo.

Para induzir um balanço negativo, a excreção deve exceder a ingestão. Quando a dieta é rica em cloreto de sódio, a maior ingestão compensará a natriurese inicial, principalmente se o intervalo entre as doses for longo. Em contraste, a baixa ingestão irá permitir um balanço negativo. Esta situação destaca a importância da baixa ingesta de sódio na dieta.

Quando o volume extracelular reduz, uma segunda adaptação ocorre, na qual a resposta natriurética a cada dose diminui (fenômeno de frenagem). Isto pode estar relacionado àativação do sistema nervoso simpático, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, à hipertrofia compensatória da região distal do néfron, além da própria depressão do volume extracelular.

Uso de diuréticos em pacientes com insuficiência cardíaca aguda

A limitação na qualidade das evidências para o uso de diuréticos na insuficiência cardíaca pode ser percebida nos guidelines atuais, nos quais as recomendações Classe I se baseiam em evidências de níveis B e C.

O maior estudo que avaliou este tema foi o estudo DOSE, que randomizou 308 pacientes com insuficiência cardíaca aguda descompensada em 4 grupos: furosemida EV em bólus 2 vezes ao dia (em baixas e altas doses) ou furosemida EV contínua (em baixas e altas doses). Os desfechos primários avaliados foram melhora de sintomas e piora da função renal. Em relação à melhora dos sintomas não houve diferença estatística, embora tenha se observado uma tendência a favor do grupo com altas doses. Em relação à função renal, o grupo com altas doses apresentou maior aumento da creatinina sérica, porém estudo post hoc mostrou que este aumento se associou a melhores desfechos clínicos a longo prazo. Não houve diferença estatística entre os grupos com infusão contínua e bólus.

Tratamentos adjuvantes aos diuréticos

O estudo EVEREST avaliou o uso de Tolvaptan (antagonista de receptor da vasopressina que inibe a ação do hormônioantidiurético) na insuficiência cardíaca enão mostrou melhora em desfechos clínicos a longo prazo, embora tenha indicado melhora dos sintomas e edema nos primeiros dias.

O estudo ROSE-AHF avaliou o uso de furosemida + dopamina ou nesiritidena insuficiência cardíaca e também não mostrou benefícios.

O estudo ATHENA-HF randomizou 360 pacientes com insuficiênciacardíaca aguda descompensada para receber espironolactona em dose alta (100mg/dia) versus a dose baixa habitual e não demostrou melhora do desfecho primário (níveis de pró-BNP) ou secundário (melhora dos sintomase da congestão).

Tratamento de resistência aos diuréticos

Devido a mecanismos de remodelamento do segmento distal dos néfrons que ocorrem em resposta ao uso dos diuréticos, surge o fenômeno da resistência aos diuréticos. Clinicamente este fenômeno se manifesta quando o paciente não melhora a congestão a despeito do uso de diuréticos em doses máximas. Nestes casos observa-se maior risco de descompensação e morte, muitas vezes associado à síndrome cardiorrenal.

Em pacientes com síndrome cardiorrenal, o tratamento através de infusão contínua de diurético em um regime de escalonamento de doses baseado em um alvo de diurese parece ser superior ao regime padrão. Apesar das evidências escassas, esta parece ser uma abordagem razoável nos pacientes com resistência aos diuréticos. Outra alternativa é o uso de diuréticos tiazídicos, que atuam nos túbulos distais, numa estratégia chamada de bloqueio sequencial do néfron. O melhor momento para se iniciar esta segunda classe de diuréticos ainda é incerto. Tradicionalmente, associa-se após o desenvolvimento da resistência, porém uma abordagem alternativa seria o início precoce em baixas doses.

Conclusão

O uso habilidoso da terapia diurética é fundamental no tratamento da insuficiência cardíaca e o conhecimento dos efeitos farmacológicos dessas drogas é a chave para seu uso seguro e eficaz. Apesar da longa experiência clinica no uso dos diuréticos de alça, pesquisas em andamento estão nos fornecendo informações sobre o uso mais efetivo dessas medicações.