Dr. Walter Rabelo
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O infarto do miocárdio sem obstrução coronariana (MINOCA) é definido como infarto agudo do miocárdio (IAM) sem doença arterial coronariana obstrutiva angiograficamente ou estenose ≤ 50%. MINOCA é um diagnóstico desafiador e complexo, dificultando o seu manejo eficaz. Esta condição é responsável por 6–8% de todos os IM e representa um risco aumentado de morbidade e mortalidade.

O reconhecimento imediato e  o tratamento direcionado são essenciais para melhorar os resultados e a nossa compreensão desta condição, mas este processo ainda não está padronizado. 

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é diagnosticado com lesão miocárdica aguda e no contexto de isquemia miocárdica. Na prática, os casos de MINOCA podem ser desafiadores, pois a identificação da etiologia e a orientação adequada da terapia requerem avaliações diagnósticas adicionais.

Embora a documentação angiográfica de lesões coronárias não obstrutivas (sem estenose ≥ 50%) pós IAM podemos levantar a suspeita de MINOCA. A avaliação deve excluir causas clínicas evidentes de elevação de troponina, doença coronaria  obstrutiva inadvertidamente negligenciada e lesão miocárdica não isquêmica (ou seja, miocardite e síndrome de takotsubo (ST) ). Contrariamente à opinião histórica, MINOCA carrega uma carga significativa de desfechos após o diagnóstico e portanto, o reconhecimento e o tratamento imediatos desses pacientes são essenciais.

Resumo das características que definem INFARTO TIPO 1 e MINOCA é visto na tabela abaixo.

  Infarto tipo 1              Critérios Diagnósticos


1. Infarto agudo do miocárdio baseado na Quarta Definição universal. (Infarto tipo 1)






           
Valores seriados de cTn com aumento ou queda com pelo menos um valor acima do limite superior de referência do percentil 99 com nova evidência clínica de infarto evidenciada por:
Sintomas de isquemia miocárdica
Alterações isquêmicas ou ondas Q patológicas no     eletrocardiograma (ECG)
Anormalidades de movimento da parede ventricular em exame de imagem.
Trombo coronário identificado em angiografia ou autópsia
        MINOCA2. Ausência de obstrução em qualquer artéria epicárdica importante.

Ausência de lesão causando estenose ≥ 50% em um vaso epicárdico importante sem utilização de  FFR
Ausência de estenose limítrofe (≥ 30, mas < 50%) em um vaso epicárdico importante com FFR > 80%
          MINOCA
3. Ausência de causa clinicamente evidente para explicar o aumento de troponina.
Estresse operatório
Sepse
Arritmia
Insuficiência cardíaca
Anemia
          MINOCA
4. Ausência de causas não isquêmicas de lesão miocárdica.
Miocardites
Síndrome de Takotsubo
Outras cardiomiopatias

Prevalência e características demográficas – MINOCA

O perfil clínico de MINOCA é único e diferente da doença coronariana obstrutiva.Pasupatia et al.  analisaram uma metaanálise de   28 estudos e relataram que  MINOCA ocorre em 6% dos IM com prevalência feminina e com uma idade média de 55 anos. Além disso, os pacientes com MINOCA tem maior probabilidade de serem mais jovens (55 vs. 61). anos), mulheres (43% vs. 24%) e apresentavam menos dislipidemia (21% vs. 32%) do que DAC obstrutiva, respectivamente. No entanto, a prevalência de outros fatores de risco tradicionais foi semelhante entre os dois grupos, e a trombofilia hereditária esteve presente em 14% dos pacientes com  o diagnóstico de MINOCA. Embora a maioria (66%) dos pacientes com diagnpóstico de MINOCA apresente IAMSEST e tenha melhores resultados do que DAC obstrutiva, devemos ter cautela em relação ao prognóstico pois a doença tem mortalidade  por todas as causas em 12 meses de 3,4%.

Considerações iniciais para suspeita de MINOCA

A avaliação inicial de MINOCA inclui a avaliação da apresentação clínica e a revisão dos achados angiográficos, para excluir causas clinicamente evidentes e sistêmicas de IAM tipo 2 (sepse, embolia pulmonar, contusão cardíaca e outras causas não cardíacas para elevações da troponina), bem como causas comumente negligenciadas como lesões coronarianas (oclusão completa de pequenos ramos da artéria coronária por ruptura da placa ou embolia, lesões distais maior ou igual a 50% de uma artéria epicárdica importante ou dissecção espontânea coronariana.

Avaliação por imagem não invasiva

Uma avaliação mais cuidadosa por meio de imagens, particularmente a ressonância magnética cardíaca (RMC), pode ajudar a identificar causas isquêmicas e não isquêmicas de lesão de miócitos (miocardite, takotsubo e outras cardiomiopatias) . Numa meta-análise que utilizou estudos de RMC como ferramenta de diagnóstico em pacientes que apresentavam um diagnóstico inicial suspeito de MINOCA, descobriu-se que a miocardite era uma etiologia principal e, portanto, MINOCA foi excluída em mais de um quarto dos casos . O takotsubo e outras cardiomiopatias também podem mimetizar a MINOCA e devem ser excluídas. Pasupatia et al. combinaram 26 estudos com cerca de 1.500 pacientes com suspeita inicial de diagnóstico de MINOCA, e 33% dos pacientes tinham miocardite, 18% tinham takotsubo e 12% tinham outros diagnósticos de cardiomiopatia. Apenas 24% dos diagnósticos suspeitos inicialmente de MINOCA apresentavam evidência de IM na RMC. Nenhum diagnóstico foi estabelecido em cerca de 26% dos pacientes.

O uso da RMC dentro de uma semana do evento resulta em maior precisão diagnóstica de cerca de   90% na avaliação de lesão isquêmica versus não isquêmica; no entanto, uma precisão diagnóstica razoável de até  70–80% ainda é alcançável quando a RMC é realizada dentro de 3 meses.

A angiotomografia coronariana  pode ser considerada quando o cateterismo cardíaco e a  RMC não estão disponíveis ou são contraindicados. A angiotomografia coronária pode ser útil para identificar defeitos de perfusão que sugerem isquemia, mas também pode detectar características de placas de alto risco e evidências de inflamação.

Avaliação de imagens invasivas

A imagem vascular intracoronária com tomografia de coerência óptica (OCT) e ultrassonografia intravascular (IVUS) pode ajudar a avaliar lesões coronárias que não eram aparentes na angiografia. Embora trombos grandes possam ser visualizados na angiografia, a estenose por ruptura da placa, embolização da artéria coronária distal e dissecção coronaria podem ser mal visualizadas angiograficamente. A OCT pode visualizar lesões luminais e superficiais da artéria coronária com alta resolução e avaliar características morfológicas no nível do tecido; isso torna a OCT um teste ideal para detectar a maioria das lesões diante de um quadro suspeito de MINOCA, incluindo ruptura da placa e suas sequelas. 

Uma meta-análise recente sugere que a combinação de OCT intracoronária seguida de RMC precoce teve um acurácia diagnóstico superior a RMC isoladamente. A OCT combinada e a RMC realizada prcocemente  dentro de 1 semana após a apresentação do IM identificaram o diagnóstico de MINOCA ou causas alternativas não isquêmicas de lesão miocárdica em 85-100% dos pacientes com diagnóstico funcional de MINOCA, enquanto a RMC isoladamente tem um rendimento menor.

MINOCA Causas e Tratamento

1. Dissecção Espontânea da Artéria Coronária (DEAC)

A dissecção espontânea da artéria coronária é uma causa comumente negligenciada de MINOCA e requer um alto índice de suspeita, especialmente em mulheres jovens com infarto. Não existem ensaios clínicos randomizados que compara a eficácia das terapias médicas ou de revascularização para DEAC. E necessário identificar  características clínicas e angiográficas de candidatos à revascularização. (dissecção do tronco da coronária esquerda) ou clinicamente (dor torácica ou isquemia contínua ou recorrente, arritmias ventriculares e choque cardiogênico). A intervenção coronária percutânea (ICP) pode ser considerada para dissecção do tronco da coronária esquerda. A cirurgia de revascularização miocárdica, entretanto, deve ser reservada para pacientes estáveis com  características clínicas de alto risco, lesão ostial da artéria descendente anterior (DA) ou ≥ 2 lesões proximais quando a ICP não for viável, ou dissecção do tronco da coronária esquerda envolvendo a coronária descendente anterior ou  a artéria circunflexa. Felizmente, estudos observacionais relatam 70% de resolução espontânea,  documentado com outra coronariografia de controle, sugerindo que o tratamento clínico conservador é suficiente para a maioria dos casos.  Especialistas e diretrizes apóiam o uso rotineiro de aspirina em baixas doses, beta bloqueadores, IECA ou BRA se a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo estiver presente. Eles também apóiam o exercício regular e a reabilitação cardíaca como terapias benéficas e seguras para pacientes com MINOCA na presença de  DEAC. 

2. Disfunção  Microvascular coronariana

A disfunção microvascular coronariana (DMVC) é causada por um desequilíbrio entre  oferta-demanda causando hipoperfusão. A hipoperfusão é decorrente do aumento da resistência microvascular, vasorreatividade e vasodilatação prejudicada. Embora o diagnóstico de DMV seja firmado por testes funcionais coronarianos invasivos, o diagnóstico pode ser feito alternativamente usando testes não invasivos, por exemplo: RMC de esforço ou PET ou fluxo sanguíneo coronariano lento documentado pela cinecoronariografia. As evidências necessárias para orientar adequadamente o manejo de MINOCA devido a DMV são escassas. Enquanto estudos sugerem que o tratamento com dipiridamol e ou ranolazina em longo prazo pode proporcionar alívio sintomático, estudos que relatam melhora funcional com essas terapias são limitados. Embora as evidências que suportam IECA ou BRA como monoterapia eficaz para MINOCA devido à DMVC sejam fracas, vários estudos sugerem que o uso combinado de um antagonista da aldosterona com um IECA ou BRA pode oferecer benefício clínico adicional.

3. Vasoespasmo Coronariano

O teste funcional coronariano provocativo pode avaliar vasoespasmo na suspeita de  vasoespasmo coronariano epicárdico. A infusão de acetilcolina com visualização de vasoespasmo epicárdico na cineangiocoronariografia é o exame padrão-ouro de referência para o diagnóstico de vasoespasmo epicárdico coronariano. Dados do estudo CASPAR documentou que até  50% dos pacientes com MINOCA apresentaram vasoespasmo coronariano após infusão de acetilcolina. E importante fazer o diagnóstico para uma terapia médica apropriada com bloqueadores dos canais de cálcio e outros antianginosos eficazes para tratamento do vasoespasmo. O vasoespasmo epicárdico e o vasoespasmo microvascular são disfunções endoteliais em nível arterial e arteriolar, respectivamente. A disfunção endotelial comumente coexiste em ambos os níveis e é avaliada por testes provocativos com acetilcolina intracoronária, que estimula a vasoconstrição coronariana e reproduz sintomas isquêmicos. Esse tipo de angina responde bem com uso de nitratos. O uso concomitante de nitratos de curta duração associado ao bloqueador dor canais de cálcio é eficaz para tratar espasmos ativos, prevenir sintomas recorrentes, arritmias e melhorar a mortalidade. Quando a angina é refratária aos nitratos de curta duração, os nitratos de ação prolongada podem proporcionar alívio sintomático. Embora o benefício clínico dos nitratos de curta duração seja bem definido, a eficácia dos nitratos de ação prolongada não é clara, possivelmente devido à tolerância. A aspirina também é eficaz no tratamento do vasoespasmo coronariano, inibindo a vasoconstrição mediada por tromboxano-A2, mas grandes doses podem piorar o vasoespasmo por meio da inibição da prostaciclina. Além disso, a adição de estatinas, cilostazol e nicorandil (um modulador dos canais de potássio sensível ao ATP com propriedades semelhantes a nitrato) também podem ser benéficas em pacientes com vasoespasmo.

4. Embolia arterial Coronária

A embolia coronariana é uma causa incomum de MINOCA e requer um alto índice de suspeita com base na história e nos exames laboratoriais. A embolia coronariana pode resultar de tromboembolismo extracoronário ou como complicação de ruptura de placa. Os clínicos devem considerar embolia coronariana em pacientes com IAM e fatores de risco para tromboembolismo, especialmente fibrilação atrial, próteses valvares, comunicação interatrial, doença valvar esquerda (endocardite infecciosa, calcificação aórtica ou mitral), tumores intracardíacos e trombofilia (fator V de Leiden, deficiência de proteína C e proteína S, deficiência de fator XII, malignidade, lúpus eritematoso sistêmico).

O tratamento de condições tromboembólicas coronárias deve se concentrar no manejo da causa subjacente. Atualmente, não existem estudos clínicos prospectivos e randomizados que recomendem anticoagulação em longo prazo ou terapias antiplaquetárias para tratar MINOCA devido à embolia arterial coronariana. Na presença de etiologia hematológica, incluindo a púrpura trombocitopênica trombótica, uma consulta hematológica deve ser considerada.

5.Ruptura de Placa

Atualmente, a prevenção secundária com aspirina, estatina, IECA ou BRA, modificação do estilo de vida e reabilitação cardíaca é utilizada principalmente para tratar o IAM tipo 1, que pode ser igualmente benéfico em pacientes com MINOCA com etiologia de ruptura de placa. A prescrição de um  betabloqueador com inibidor da P2Y12 (i.e., clopidogrel), no entanto, permanece controversa. 

Conclusões

MINOCA é uma condição clínica heterogênea que merece avaliação diagnóstica adicional para identificar o mecanismo subjacente de infarto do miocárdio sem doença arterial coronariana obstrutiva significativa. Uma abordagem abrangente e meticulosa para diagnosticar e determinar a etiologia subjacente pode ajudar ainda mais a estratificar o risco desses pacientes e tratá-los de forma mais eficaz.

Estratégias diagnósticas para avaliar pacientes com diagnóstico funcional de MINOCA

Contemporary Diagnosis and Management of Patients with MINOCA

Purvi Parwani1,2 · Nicolas Kang1,2 · Mary Safaeipour1,2 · Mamas A. Mamas3 · Janet Wei4 · Martha Gulati 4 · Srihari S. Naidu 5 · Noel Bairey Merz 4 Accepted: 30 March 2023 / Published online: 17 April 2023