Dr. Marcelo B. Leitão
The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, Volume 104, Issue 7, July 2019, Pages 2490–2500, https://doi.org/10.1210/jc.2018-01882
A Medicina do Exercício e do Esporte é uma especialidade médica que tem uma ampla área de atuação, indo desde os cuidados dispensados a atletas até a utilização do exercício físico, na população geral, como um instrumento de promoção da saúde, nos âmbitos preventivo, terapêutico e/ou de reabilitação. Tendo em vista que a detecção do uso indevido dos chamados Esteroides Anabolizantes e Similares, no esporte, tem sido frequentemente divulgada na imprensa e, paralelamente, observando-se uma crescente discussão nas mídias sociais e diversos meios de comunicação, chegando, por vezes, ao estímulo à sua utilização por parte de diferentes tipos de praticantes de exercício físico, vindo especialmente de “personalidades” e influenciadores digitais, alguns deles, infelizmente, profissionais da saúde, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) se vê na obrigação de fazer o presente posicionamento sobre esse importante assunto.
No esporte competitivo, é reconhecido que os efeitos dos EAS, visando melhoria de desempenho físico, de forma ilícita e antiética, ferem os princípios da competição justa e limpa, sendo o seu uso condenado pelas grandes entidades esportivas, internacionalmente, com o controle do doping, por parte dessas instituições, sendo
continuamente ampliado e aperfeiçoado, trazendo com ele as conseqüentes punições. Essas, infelizmente, podem prejudicar e até interromper, por vezes, carreiras potencialmente promissoras de atletas, mas que acreditaram no sedutor caminho de seguir atalhos que pareceram mais fáceis. Isso sem contar os diversos efeitos adversos que podem advir desse uso, sobejamente conhecidos. O impacto dos EAS no organismo é multissistêmico. Não há níveis seguros e alguns dos efeitos deletérios surgem rapidamente. No cérebro, determinam alterações comportamentais, agressividade, insônia e, a médio prazo, dependência. O aumento de massa muscular vem acompanhado de fragilidade dos tendões com maior risco de ruptura ao exercício. Na mulher, causam o surgimento de pelos corporais (hirsutismo), mudança no timbre de voz, amenorreia, atrofia das mamas, acne e infertilidade. No homem, alopecia, atrofia dos testículos, infertilidade, ginecomastia e, eventualmente, disfunção erétil e perda da libido. Alterações metabólicas são comuns, com aumento de colesterol e triglicerídeos sendo as mais preocupantes, juntamente com aumento da pressão arterial, todos eles fatores de risco cardiovascular. Hipertrofia ventricular também foi relatada e, resultando dessas alterações, há um risco aumentado de desfechos cardiovasculares. Os EAS têm toxicidade hepática e, embora a associação com câncer de fígado não seja confirmada, alterações funcionais são comuns. osteopenia é outro efeito descrito, particularmente em homens. Obviamente, esses mesmos problemas atingem usuários de EAS entre esportistas recreativos, frequentadores de academias e assemelhados, cuja utilização se
estende também para fins estéticos e sociais. Nessa população, estratégias com falsas “evidências científicas” e trazendo denominações com apelo mercadológico, que visam dar a falsa impressão de condutas médicas adequadamente embasadas, como “antienvelhecimento”, “modulação hormonal”, entre outras, não apresentam nenhum respaldo científico, não sendo procedimentos reconhecidos pelas principais sociedades de especialidades médicas, entre as quais a SBMEE, como também pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Além disso, preocupa a disseminação de justificativa, igualmente irresponsável, de que caberia ao médico assistente, seja de um usuário de EAS ou daquele paciente que decidiu iniciar seu uso, com as finalidades acima citadas (ou seja, sem nenhuma indicação verdadeiramente terapêutica), orientá-lo sobre a “melhor forma” de utilização para, com isso, “evitar ou reduzir seus potenciais malefícios”.
Analogamente, seria o mesmo que aceitar ser correto orientar/prescrever a um paciente a maneira “mais adequada” de ser um tabagista ou usar entorpecentes. Seja qual for a situação, tudo se resume a uma explícita infração da ética profissional, levando até a potenciais implicações criminais. Outro ponto que está despertando muita atenção da SBMEE é o crescente assédio a alunos de medicina, por parte de alguns maus “profissionais”, que se valem da formação ainda incipiente dos acadêmicos, nessa área, para seduzi-los a ingressar neste terreno arenoso, através de palestras, perfis, postagens e/ou lives na internet, a grande maioria disponível gratuitamente. Nessas ações, tentam passar a falsa impressão de que o uso de EAS, principalmente para fins estéticos, ganho de desempenho esportivo e/ou condicionamento físico é procedimento “lícito, bastando serem seguidas as evidências científicas atuais”, podendo ser também “seguro, se bem prescrito/orientado”, e com grande perspectiva de sucesso profissional e financeiro. Esse comportamento, guardadas as proporções, lembra o de traficantes de drogas indo às portas de escolas em busca de novos e jovens usuários, além da tentativa de aliciamento de potenciais estimuladores/vendedores.
Diante da gravidade dessa situação, a SBMEE vem, através deste documento, reforçar que condena o uso de EAS sem a devida indicação clínica, conforme recomendações bem estabelecidas, com o devido embasamento científico, pelas sociedades médicas de especialidades envolvidas com sua prescrição, e pelo CFM. Portanto, a SBMEE refuta e desaprova veementemente a prescrição dessas substâncias com fins estéticos ou para ganho de desempenho físico, prática contra indicada e proscrita pela nossa especialidade.
Palavras Chave: Hormônios, Anabolizantes, exercício físico, Hormonioterapia, estimulantes, hipertrofia ventricular, osteopenia,câncer, influenciadores digitais, Modulação hormonal, metabolismo, massa muscular, condicionamento fpisico.
The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, Volume 104, Issue 7, July 2019, Pages 2490–2500, https://doi.org/10.1210/jc.2018-01882