Dr. Roberto Luiz Marino

Email: rlmarino@cardiol.br

Estudos clínicos predominantemente incluem pacientes com idade inferior a 75 anos de idade e na grande maioria dos casos, são excluídos candidatos com complexidades geriátricas.

Paciente mais idosos freqüentemente apresentam carga aterosclerótica mais intensa e complexa, com calcificações, tortuosidades, lesões  arteriais (TCE), multiarteriais, além da associação com as síndromes geriátricas : fragilidade, multimorbidade, polifarmácia, declínio funcional, alteração cognitiva, demência. Há um crescimento expressivo da população muito idosa, particularmente acima de 85 anos nos EUA, Canadá e nos demais  países desenvolvidos e doença cardiovascular é muito intensa neste grupo etário, estimando-se entre 80 – 90%, e representa a principal causa de morte, além de estar relacionada a limitação física e a dependência de cuidados.

O processo de envelhecimento está associado com múltiplas alterações na estrutura e função que predispõem a doença coronária, isquemia miocárdica e a SCA.

Tabela 1

ENVELHECIMENTO E RISCO PARA SCA

– Maior rigidez da aorta          
– Maior impedância a ejeção VE;aumento PAS, redução perfusão coronária, aumento demanda O2
– Alteração relaxamento  diastólico e maior rigidez  miocárdica
– Maior Resistência a perfusão coronária, predisposição a FA, e ICFEP.
– Redução de resposta a  estimulação β-adrenérgica Diminuição da FC máxima e da contratilidade, diminuição da vasodilatação periférica, menor débito cardíaco no esforço.
– Alteração da resposta  vasodilatadora mediada  pelo endotélio Diminuição da reserva de fluxo coronário aumento da aterogênese, redução resposta vasodilatadora periférica mediada pelo endotélio.
– Desbalanço intrínseco  entre trombose/ fibrinólise  Maior risco para eventos trombo embólicos venoso e arterial. 
– Inflamação crônica de  baixo grau, relacionada ao  processo do envelhecimento Aumento da aterogênese e das síndromes geriátricas, incluindo a fragilidade.

FRAGILIDADE

É definida como um estado de vulnerabilidade e diminuição da reserva homeostática, resultando em reduzida resistência a estressores fisiológicos. É uma medida “biológica”, maIs do que “cronológica”. Dois adultos idosos da mesma idade podem ser clinicamente diferentes, a depender do seu grau de fragilidade.

Fragilidade está intrinsecamente relacionada a doença cardiovascular, aumentando sua incidência em um círculo vicioso e incrementado desfechos clínicos adversos.

Entre os pacientes admitidos com SCA, 10% acima de 65 anos e 25 – 50% acima 85anos, apresentam fragilidade, sendo esta um forte preditor independente de mortalidade hospitalar, até 30dias e a longo prazo.

A avaliação de indicadores de fragilidade tem sido incorporados na avaliação de risco pré-operatórios para composição de morbimortalidade. Como mais da metade dos adultos idosos (> 75a.), com DCV são frágeis, a sua avaliação é importante e apresenta informação prognóstica de grande valia.

Há diversas escalas para avaliação da fragilidade e fogem a abordagem desta revisão, como aS Escalas de fragilidade de Edmorton, FRAIL escala e Essential Frailty Toolkit, que tem sido validadas em diversas áreas. 

SARCOPENIA

É definida como desordem muscular progressiva e generalizada, resultando em reduzida quantidade e qualidade muscular com conseqüente redução da performance física. 

É muito freqüente em adultos idosos, com prevalência de 23% em mulher e 27% em homens, com idade entre 64-93, em diversos estudos longitudinais. 

A Sarcopenia dificulta a mobilidade, aumenta o risco de quedas e fraturas, diminui a funcionalidade com redução da independência para execução de atividades diversas, maior necessidade da institucionalização e reduzida qualidade de vida.

O risco CV é muito aumentado, assim como os seus desfechos.

IAM

O IAM tipo 1, é de origem aterotrombótica e ocorre usualmente por ruptura de placa com trombose sobrejacente. O IAM tipo 2, ocorre por desequilíbrio entre a oferta e o consumo de 02 , geralmente relacionado a condições outras, não atribuível a ruptura de placa. Idosos são mais predispostos a esta ocorrência em função de reduzida habilidade para aumentar o fluxo coronário em função da incapacidade de vasodilatação coronária endotelial medida para compensar o aumento de demanda. São também fatores contribuintes para a ocorrência do IAM tipo 2 a associação com comorbidades como HAS descontrolada, hipotensão arterial, DPOC, pneumonia, anemia aguda, exacerbação de IC ou DRC, entre outras demandas. 

A mortalidade em longo prazo após o IAM tipo 2 é maior do que no IAM tipo 1(52% X 31% em 5 anos), devida principalmente a morte não CV. O mesmo ocorre com os pacientes que apresentam injuria miocárdica não isquêmica, pela associação com mais comorbidades.

– Infarto Agudo do Miocárdio com Elevação do ST (IAMCEST) –  Tipo 1 

No IAMCEST tipo 1, diversos estudos demonstram redução significativa do risco composto por morte, re-infarto ou AVC, quando se compara a ICP primária com a fibrinólise, em pacientes de 70 a 80 anos. 

A fibrinólise , no entanto, pode ser realizada com segurança e efetividade em situações onde não haja condições para realização da ICP, ressaltando-se o maior risco de hemorragia intracraniana em idosos com idade > 75 anos, devendo ser muito restrita a sua utilização, especialmente na presença de fragilidade. 

Para pacientes com IAMCEST não se deve considerar limite etário para a reperfusão, especialmente a ICP Primária. 

Alguns ajustes devem ser considerados na reperfusão de idosos > 75 anos:

– Reduzir a dose da tenecteplase em 50%.

– Preferir a utilização de AP com menor risco hemorrágico e limitar a combinação de anti-plaquetários e anti-coagulantes. Preferência pelo Clopidogrel, sem dose de ataque.

– Caso de ICP, preferir acesso radial

– Não utilizar enoxaparina IV em bolus

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO SEM ELEVAÇÃO DO ST (IAMSEST) –  tipo 1

Resultados de diversos estudos randomizados em idosos > 75 anos, com IAMSEST tipo 1, apresentam dados controversos, quando se comparam as estratégias conservadoras X invasiva. A maioria destes estudos não estratificou os pacientes com a associação com as diversas síndromes geriátricas, o que dificulta a análise dos dados. 

Considerando as diversas evidencias as diretrizes da ESC 2021 indica para pacientes idosos as mesmas recomendações usadas para os mais jovens(IB), Levando em consideração o risco individualizado, com estimativa da expectativa de vida, Comorbidades, qualidade de vida, fragilidade, funcionalidade e preferência individual. 

Estudos recentes, em andamento estão recrutando pacientes para comparar as 2 estratégias de tratamento em pacientes > 75 anos no British Heart Foundation Older patients e no SENIOR-RITA TRIAL, serão avaliados 2300 pacientes com estratificação de indicadores de fragilidade e co-morbidades e estima-se o fim do recrutamento para março de 2024.

Tratamento

Princípios Gerais

Múltiplas alterações fisiológicas ocorrem com o envelhecimento e afetam a farmacocinética e a farmacodinâmica de muitas medicações usadas nas SCA.

A redução da função renal, e do fluxo hepático assim como a menor massa muscular e aumento na gordura corporal afetam a absorção, distribuição, metabolismo e eliminação das drogas.

As alterações vasculares e miocárdicas associadas ao envelhecimento também podem exagerar a resposta a certas medicações, assim como a diminuição da sensibilidade dos baroreceptores carotídeos e a menor atividade do NS e da condução AV, aumentam o risco de bradicardia com os BB, AC não hidropiridÍnicos e amiodarona.

A rigidez aumentada dos vasos arteriais e do miocárdio, aumentam o risco para maior labilidade hemodinâmica, com a terapia com vasodilatadores e ou diuréticos.

TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA

A terapêutica farmacológica no adulto com SCA em geral é similar a dos pacientes mais jovens, devendo, no entanto, individualizar o tratamento, com uma abordagem mais holística, considerando as síndromes geriátricas associadas e uma criteriosa avaliação do Risco Hemorrágico X Risco Trombótico.

*Tabela 2: 

ALTO RISCO HEMORRÁGICO: Pelo menos 1 maior ou 2/menores 1 MAIOR 2 MENORES – Uso de ACO por tempo prolongado – Idade > 75a – Clearence creatinina < 30ml/min – Clearence cratinina 30 – 59ml/min – HB < 11g/dl – HB 11-12,9g/dl para homens e 11-11,9 para mulheres
– Sangramento espontâneo ou transfusão últimos 6 meses ou sangramento recorrente
– Sangramento espontâneo requerendo hospitalização ou transfusão últimos 12 meses, sem definição de risco maior
– Plaqueta < 100.000/L – Uso crônico AIN ou corticóide
– Diatese hemorrágica ou cirrose com hipertensão portal – Qualquer AVC não preenchendo critérios de maior risco
– Câncer ativo últimos 12 meses (excluindo CA pele não melanoma)
– Hemorragia intracraniana espontânea qualquer época ou pós-traumática nos últimos 12 meses
– Presença de mal-formação AV cerebral
– AVCI moderado a severo últimos 6 meses
– Cirurgia maior não adiada
– Cirurgia maior ou trauma últimos 30 dias 

ANTIPLAQUETÁRIOS:

O Clopidogrel e o Ticagrelor são recomendados para pacientes mais idosos com SCA, porém, o clopidogrel é o inibidor P2Y12 preferido pelo seu menor perfil de risco hemorrágico. Na admissão de pacientes com IAMSEST podemos considerar administração apenas de AAS 200mg até a realização do cateterismo e definição da anatomia coronária. Caso haja necessidade de ICP o segundo agente antiplaquetário deverá ser administrado na sala de Hemodinâmica sendo a preferência pelo TICAGRELOR 180mg, em função de sua ação mais rápida. Em pacientes mais idosos com Síndromes geriátricas e fragilidade devemos substituí-lo pelo CLOPIDOGREL e manter o uso da aspirina pelo tempo mais curto, em função do risco hemorrágico. 

Caso DAPT com AP mais potente seja utilizada, o de-escalonamento após 30 dias do evento pode ser realizado substituindo drogas mais potente para o clopidogrel.

Casos com menor risco hemorrágico e que apresentem maior risco trombótico, como por exemplo, ICP  não otimizado por menor expansão do Stent, implante de 2 stents em bifurcação de TCE, a duração da dupla antiagregação plaquetária pode ser prolongada por 6 a 12 meses, e continuar com a monoterapia com Clopidogrel.

Para pacientes com maior risco hemorrágico pós SCA ou ICP, preferir o uso de Clopidogrel + AAS por tempo mais curto(1 – 3 meses) e seguir com monoterapia , também sendo preferido o Clopidogrel.

Estudos mais recentes preconizam o uso de monoterapia desde a fase inicial, sendo a droga recomendada o Ticagrelor (ver tabelas 3 e 4)

BETA BLOQUEADORES

O uso de BB deve ser cuidadoso na fase aguda da SCA, pelo risco de bradicardia e ou IC. Em pacientes com bradicardia assintomática < 40bpm, deve-se reduzir ou interromper o BB e outros agentes bradicardizantes. São preferidos os seguintes beta-bloqueadores: Metoprolol, Bisoprolol ou Carvedilol.

ANTI-LIPÊMICOS

O uso de estatina, com intensidade moderada a intensa encontra recomendação para pacientes idosos > 75 anos, com doença aterosclerótica, especialmente após SCA. A ocorrência de mialgias pode ser um problema, sendo dose dependente e influencia a mobilidade e a qualidade de vida, particularmente observada em maior ocorrência na população asiática.

Diversos estudos clínicos com estatinas, ezetimibe, e inibidores PCSK9, não observaram diferença na função cognitiva, sendo necessária uma observação mais longa com os inibidores PCSK9.

Quanto à prevenção secundária mais estendida com estatinas nos idosos > 75a, pelo maior risco de efeitos adversos devemos ter uma atenção maior quanto a segurança, interação farmacológica e benefícios. 

IECA, BRA, ARNI

Uso de inibidores do sistema renina-angiotensina aldosterona (IECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA) e antagonistas da aldosterona, tem benefícios na presença  de infartos maiores e disfunção do VE.

Na utilização destes termos, assim como da associação Sacubitril-Valsartana(ARNI), devemos estar atentos em função da vulnerabilidade renal e hemodinâmica, e prescrevermos doses menores. Complicações potenciais do tratamento são síncope, hipercalemia e ou piora da função renal.

No PARADISE-MI-TRIAL o uso do ARNI+ IECA após o IAM, mais de 1/3 dos pacientes com >70 anos, análise dos desfechos primários de morte, e IC não foram diferentes entre os grupos (11,9 X 13,2, com p=0,17).

Dados recentes sugerem que IECA ou BRA que cruzam a barreira hemato-encefálica foram associados com melhora nos testes de memória em 3 anos; comparados com os demais: 

Cruzam a barreira: – IECA: Captopril, fosinopril, lisonopril, perindopril,ramipril e trandolapril

Hemato-encefálica

                                   – BRA: Telmisartan, candesartan 

FIBRILAÇÃO ATRIAL NA SCA

A prevalência da FA aumenta com a idade e ocorre em aproximadamente 10% dos casos com IAMCEST E 13% COM IAMSEST. idosos apresentam maior risco para eventos tromboembólicos, portanto, beneficiam-se de anticoagulação apropriada, e devemos estar atentos pelo maior risco hemorrágico nesta população e pela necessidade de utilização de terapêutica antitrombótica dupla ou tripla.

Idosos com FA crônica e SCA com maior risco hemorrágico submetidos a ICP devem ter sua terapêutica tripla (AAS + Clopidogrel + DOAC) reduzida, com a descontinuação da aspirina na primeira semana e manutenção do Clopidogrel e DOAC, também por prazo menor, idealmente por apenas 4 semanas. A partir deste tempo continuar apenas com o DOAC.

Na nossa experiência o DOAC recomendado é a APIXABANA. (Ver tabela 4)

CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA ( CRVM)

Nas ultimas 2(duas) décadas, o risco operatório associado à CRVM em idosos diminuiu acentuadamente, o que se atribui a melhor seleção de casos e ao manuseio Peri operatório, apesar da maior incidência de comorbidades nesta população. Freqüentemente estão presentes patologias como Diabetes, Doença Renal Crônica, DPOC, Insuficiência cardíaca, doença cerebrovascular, angioplastias prévias e lesão no TCE

É necessária uma melhor e mais completa avaliação do risco cirúrgico, incluindo uma abordagem das Síndromes geriátricas e da fragilidade, que são determinantes nos resultados imediatos e tardios, e não tem sido incluído nos escores de risco tradicionais.

No EXCEL-TRIAL, comparando pacientes com lesão TCE em pacientes > 75anos, houve beneficio no grupo CRVM X ICP, ressaltando-se o uso do STENT XIENCE, e que >60% dos pacientes apresentavam-se com DAC crônica, estável ou isquemia silenciosa.

Nos pacientes com lesão no TCE não protegido, a ICP foi associada com menor mortalidade na presença de SYNTAX ESCORE < 22, mas, maior mortalidade com escore >33 

A CRVM sem CEC realizada com objetivo de redução de morbi-mortalidade em idosos, não demonstrou efetividade na diminuição de AVC ou evolução para diálise, a curto e longo prazo, e a mortalidade em 5 anos foi similar nos grupos com ou sem CEC (30% X 31%).

Tabela 3 

OBS: 1) Idosos > 75 a ou com critérios de fragilidade com qualquer idade.

         2) Na SCASEST administrar apenas AAS – 200mg na admissão é  até realização do cate e definição da anatomia coronária. 

         3) Caso receba TICAGRELOR na admissão, substituir pelo CLOPIDOGREL o mais breve após a ICP, nos idosos com critérios de fragilidade. 

Tabela 4 

  1. Idosos > 75 a ou com critérios de fragilidade com qualquer idade.
  2. O DOAC recomendado é a APIXABANA
  3. Fase inicial sem DOAC manter Enoxaparina Terapêutica com dose ajustada pelo Clearence. Iniciar DOAC na alta hospitalar.
  4. Na SCASEST administrar apenas AAS – 200mg na admissão é  até realização do cate e definição da anatomia coronária. 
  5. Caso receba o TICAGRELOR na admissão, substituir pelo CLOPIDOGREL mais precoce pós ICP.

Referências Bibliográficas:

Circulation. 2022; 146:00-00 Management of Acute Coronary Syndrome in the Older Adult Population: A Scientific Statement from de American Heart Association.

Journal of Geriatric Cardiology (202) 17: 51-57

European Heart Journal (2022) 00; 1-18

European Heart Journal (2022) 43, 1542 – 1553

American Journal Med (2021); 134: 910 – 917

European Heart J Cardiovascular Pharmacother (2022); 20 – 27